25 de Novembro de 2022
Para não esquecer o racismo
Neste mês da Consciência Negra, recordamos e sustentamos o futuro da luta de pessoas negras em prol da igualdade e justiça social, que foram negadas em um violento processo de racismo estrutural.
Após um longo caminho de afirmação de pessoas negras no IBCCRIM, o contínuo enfrentamento a todas as formas de expressão do racismo atinge o momento de assumir expressamente o compromisso antirracista. Este manifesto propõe um pacto pela equidade racial por todos aqueles atores que pretendem de fato mudar essa realidade, em particular pelas diversas instituições que compõem o sistema de justiça criminal.
O documento pode ser assinado por todas as pessoas associadas e sociedade em geral, é divulgado com esperança de novos dias e para que ao longo do tempo o constante dever do IBCCRIM de promover a luta contra o racismo não seja esquecido.
Leia o manifesto na íntegra a seguir ou acesse o pdf.
Manifesto
Este ano o IBCCRIM completou seus 30 anos de existência. Foi fundado em 14/10/1992, quando os fragmentos da ditadura militar ainda pairavam vividamente pelos ares de uma democracia ainda incipiente. Não por acaso, esta fundação deu-se pouco depois do Massacre do Carandiru em 02.10.1992, “página infeliz da história” deste país (que não podemos esquecer).
Ao longo destes anos, o IBCCRIM se organizou como uma trincheira em defesa dos direitos humanos e dos princípios essenciais ao regime democrático.. Mas o que é o “humano”? Qual regime democrático tem sido possível num país legatário de mais de 350 anos de escravização?
Passadas três décadas de contribuição efetiva no campo das ciências criminais, com inúmeras denúncias das violências do sistema penal e incontáveis ações voltadas à redução de arbitrariedades estatais, não se pode deixar de olhar para trás e constatar que a ausência de uma leitura racializada limitou a capacidade do IBCCRIM de compreender e desmobilizar esse estado permanente de injustiças, configurado como verdadeiro processo estrutural de segregação de pessoas negras.
Enunciada em artigos, livros e eventos, a certeza que se chegou de que o encarceramento em massa e a letalidade policial atingem prioritariamente corpos negros não têm sido bastante para frear o fluxo contínuo de uma juventude interrompida; não tem sido suficiente para estancar as lágrimas das mães cuja sina - imposta pelo Estado brasileiro – tem sido enterrar seus filhos ou, ainda, passar uma vida nas filas de espera de visitas nos presídios deste país.
Para combater essa violência estatal é preciso conferir centralidade à questão racial, entendendo como o racismo estrutura as relações em toda a sociedade brasileira. Somente assim será viável enfrentar o racismo instalado nas próprias instituições, hostis por essência às pessoas marginalizadas, tanto no seu modo de funcionamento (processo dinâmico de violência), como na sintomática ausência de pessoas negras, em espaços privilegiados que a branquitude teima em perpetuar.
Agora, é preciso olhar para dentro e fazer o “dever de casa”.
Durante muito tempo, temáticas essenciais para a população negra foram tratadas - pelo Instituto ou com o seu apoio - sem verdadeira corporeidade, ignorando vozes negras. Além disso, contam-se nos dedos das mãos as pessoas negras que transitaram pelos espaços decisórios do IBCCRIM.
Essa (in)ação relegou ao povo preto o indigno lugar de objeto de estudo, como se fossem pessoas incapazes de produzir conhecimento e destituídas de agência.
Porém, quem, senão as pessoas negras deste país, principalmente as mulheres negras, estão na vanguarda das mais importantes articulações para repensar e desarticular este Estado genocida? Quem, senão as famílias negras, têm combatido nesse estado letal produtor de chacinas à luz do dia, televisionadas e mobilizadoras de campanhas eleitorais?
Além de trabalhar na denúncia acerca da seletividade do sistema de justiça criminal, que, como se sabe, mantem um status quo até mesmo pela composição excludente do Judiciário, do Ministério Público, das Defensorias Públicas e da Advocacia criminal -, é necessário que o racismo instalado nas instituições seja enfrentado de maneira ativa, o que não será possível sem a participação de pessoas negras.
Negar a existência do tratamento indigno nas próprias instituições, como produto de um negacionismo insidioso e apagamento histórico, retira a verdadeira compreensão desse fenômeno racista, que, pelo contrário, pode ser assimilado ao se proporcionar a efetiva inserção de pessoas negras que, de uma ou de outra forma, passaram pelas mazelas do racismo.
O ano de 2022 foi emblemático para o Instituto. A instituição de cota de 20% de pessoas negras na Diretoria Executiva, como regra obrigatória para todas as gestões, vincula o IBCCRIM a incorporar a diversidade racial na sua rotina. É um caminho de enfrentamento ao racismo estrutural que não tem mais volta.
O espírito do IBCCRIM, que se somou a uma histórica luta negra, possibilitou que hoje se tenha a consciência disruptiva de que o Instituto e as Ciências Criminais não podem mais ser conduzidos somente por pessoas brancas.
De fato, não há outro caminho senão ressignificar as finalidades do Instituto na constante defesa da dignidade humana sob este despertar consciente para enfrentamento de todos os desafios futuros. Mudanças verdadeiras não podem ser reduzidas a declarações, mas dependem da revisão conceitual da postura ante o racismo, que mobiliza o aparato estatal para subjugar pessoas negras, reproduzindo e atualizando suas formas de violência. Enfim, surgem novos tempos e que sucedam novas perspectivas que possibilitem enxergar as Ciências Criminais com o atravessamento de questões raciais, de gênero e demais interseccionalidades.
Isso é o que manterá o IBCCRIM cumprindo o seu permanente propósito de se mobilizar contra toda e qualquer forma de arbítrio, comprometendo-se com a efetiva participação de pessoas negras nas Ciências Criminais.
Ester Rufino
Leonardo Palazzi
Vinícius de Souza Assumpção