Boletim - 309
Agosto de 2018
Letalidade policial aumenta e aumentará se não houver freios eficazes e legítimos

Diariamente a imprensa brasileira noticia casos de mortes em decorrência de atuação policial com características de execução. Não é à toa que as polícias brasileiras são consideradas das mais violentas do mundo: entre 2009 e 2016, quase 22 mil pessoas foram mortas por agentes dessas instituições no Brasil. O número desses sete anos é superior ao que foi contabilizado nos Estados Unidos ao longo de 30 anos. Apenas em 2016, a polícia brasileira matou 4.224 pessoas – aproximadamente uma pessoa a cada duas horas. Em 2017, o número subiu de novo: mais de 5 mil pessoas foram mortas. O perfil das vítimas? Homens (99,3%), jovens entre 12 e 29 anos (81,8%) e negros (76,2%), segundo relatório da Anistia Internacional sobre o Rio de Janeiro.

Data: 22/04/2020
Autor: Ibccrim

Diariamente a imprensa brasileira noticia casos de mortes em decorrência de atuação policial com características de execução. Não é à toa que as polícias brasileiras são consideradas das mais violentas do mundo: entre 2009 e 2016, quase 22 mil pessoas foram mortas por agentes dessas instituições no Brasil. O número desses sete anos é superior ao que foi contabilizado nos Estados Unidos ao longo de 30 anos. Apenas em 2016, a polícia brasileira matou 4.224 pessoas – aproximadamente uma pessoa a cada duas horas. Em 2017, o número subiu de novo: mais de 5 mil pessoas foram mortas. O perfil das vítimas? Homens (99,3%), jovens entre 12 e 29 anos (81,8%) e negros (76,2%), segundo relatório da Anistia Internacional sobre o Rio de Janeiro.

Esse padrão de atuação é resultado de uma orientação política e mantém sua própria curva, independentemente de outras estatísticas de criminalidade. Mesmo com a diminuição da mortalidade violenta no Estado de São Paulo, por exemplo, a letalidade policial aumentou. No momento atual, políticas federais como a intervenção na segurança pública no Rio de Janeiro reforçam o padrão violento e somam ainda mais mortes.

Não é novidade que a opção por uma política de segurança truculenta por parte dos Estados e do Governo Federal é alvo de crítica de organismos internacionais. Em 2000, o relatório da visita de inspeção do Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre tortura e detenção(1) concluiu que práticas características da ditadura militar como tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais estavam ainda presentes no país. Depois disso, com regularidade, constatações sobre as práticas de tortura e letalidade seguem aparecendo nos relatórios e comunicados da instituição sobre o país.

Pesquisa lançada em 2015, conduzida pelo IBCCRIM, com outras organizações,(2) constatou que a tortura é utilizada como método de investigação policial, incorporada à cultura das forças policiais. O estudo revelou que em dois terços (66%) dos casos judiciais envolvendo agentes públicos sob acusação de tortura apontava-se que a violência teria sido usada para obter confissão ou informação. A pesquisa também concluiu que a falta de provas é o fundamento mais utilizado pelo Ministério Público e pelo Judiciário para absolver os agentes públicos acusados.

Outro recente estudo publicado pela Conectas, sobre audiências de custódia, analisa a atuação das instituições do sistema de justiça criminal diante de casos de tortura. Salta aos olhos que o Ministério Público (MP) assume a postura de não solicitar instauração de inquérito policial para apurar suspeitas de abuso ou tortura. Ao contrário, costuma apresentar questionamentos à pessoa ouvida em audiência de custódia para justificar a violência relatada, legitimando a prática adotada por policiais.

Também não é de hoje que casos de letalidade policial são categorizados como “autos de resistência” ou “mortes em decorrência de ação policial” pelo MP, que encaminha as ocorrências para arquivamento sob a fundamentação de se tratarem de “confrontos” e, portanto, de legítima defesa.

E por que causa (ou deveria causar) espanto essa postura do MP? Ora, na ordem constitucional, a fiscalização, como controle externo, da atividade policial é uma responsabilidade dessa instituição.

Na prática, porém, ela tem agido da forma inerte e omissa descrita acima e, ainda, em muitos Estados, participa da construção das políticas de segurança estaduais, como é o caso de São Paulo. Há quase 30 anos o comando da Secretaria de Segurança Pública paulista é ocupado por titulares oriundos do MP. A mesma tendência tem sido observada na composição da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania. É inegável o imbricamento entre as duas pastas e o MP.

Pedido ao Conselho Nacional do MP

Diante desse quadro, o IBCCRIM, a Conectas Direitos Humanos, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o NEV/USP endereçaram um pedido de audiência pública ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

É preciso que o CNMP assuma uma postura ativa na mudança do papel institucional do MP no controle externo das ações policiais e estabeleça, a partir de ampla discussão social, com a participação de organizações da sociedade civil e, especialmente, da escuta de vítimas e familiares de vítimas da violência do Estado, uma política efetiva de controle da atividade policial.

A renúncia a esse papel constitucional soma um passivo alto:

o custo das vidas de policiais e da população civil, da elevação da violência no padrão de atuação policial, do desgaste da confiança nas polícias e do desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos necessários para uma sociedade democrática.

Entretanto, assim como a formulação de políticas pública sem a participação social não é efetiva, tampouco será um controle realizado apenas pelo aparato estatal, embora este seja um passo fundamental. A investigação imparcial e técnica das circunstâncias em que se dão as mortes por ação policial é indispensável para elucidar e coibir os abusos, as ações de extermínio e prática de tortura. E é igualmente indispensável para definir com transparência se o uso letal da força foi legitimamente aplicado, retirando a instituição policial de uma zona cinzenta de incerteza, que coloca todo e qualquer agente policial sob suspeita.

É preciso, mais que isso, aprofundar os mecanismos de participação e controle social, implementando-se, por exemplo, Ouvidorias Externas nas instituições de justiça e nas polícias(3) e ainda nos Sistemas Estaduais de Prevenção e Enfrentamento à Tortura. Ao solicitar essa audiência pública e demais providências, o IBCCRIM e organizações parceiras depositam no CNMP a cobrança de romper o padrão histórico de renúncia ao controle externo da atividade policial e, a partir da escuta e participação social, estabelecer fluxos de fiscalização independentes e rigorosos, além de fomentar a instalação de Ouvidorias Externas das Polícias e dos próprios Ministérios Públicos, dado estar sob sua responsabilidade estabelecer e implementar limites para a atuação das corporações.


Notas de rodapé

(1) Disponível em: <http://repository.un.org/handle/11176/341263>.

(2) Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT), Conectas Direitos  Humanos, Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e Pastoral Carcerária. Julgando a Tortura: análise de jurisprudência nos Tribunais de Justiça do Brasil (2005-2010). Inteiro teor disponível em: <http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Julgando%20a%20tortura.pdf>.

(3) Vide a proposta número 16 do Caderno de Propostas: 16 Medidas contra o Encarceramento em Massa produzido pelo IBCCRIM, Pastoral Carcerária Nacional, Associação Juízes pela Democracia e Centro de Estudos em Discriminação e Desigualdade da Universidade de Brasília.

Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados
Conteúdo apenas para associados

Nosso website coleta informações do seu dispositivo e da sua navegação por meio de cookies para permitir funcionalidades como: melhorar o funcionamento técnico das páginas, mensurar a audiência do website e oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para saber mais sobre as informações e cookies que coletamos, acesse a nossa Política de Privacidade. Para falar sobre envie um e-mail para: privacidade@ibccrim.org.br