O artigo 403 do Código de Processo Penal não estabeleceu um tratamento diferenciado às alegações finais a ser acostadas pelo acusado não delator. Pudera. Quando de sua redação, ainda não existia a figura do réu delator. Uma lei nunca estabelece todas as hipóteses de aplicação. Isso é comezinho em hermenêutica. Não existem leis perfeitas. Cabe ao intérprete fazer um ajuste, um fit, como diria Dworkin.
Por vezes, os juristas caem em um falso dilema. Quando interessa, são “literalistas”. E em outras oportunidades, a literalidade nada vale, adotando, assim, uma postura voluntarista. Ora, é impossível manter literalismo sempre. E é impossível ignorar os limites formais de um texto.(1) Não é proibido aplicar uma lei literalmente, desde que haja respaldo constitucional para essa leitura. E não é proibido avançar em relação ao texto, que, por vezes, necessita ser adaptado à Constituição e aos princípios conformadores de garantias processuais, como foi o caso do artigo 403.
Aliás, para quem duvida desta afirmação, é recomendável a leitura da peça Medida por Medida de Shakespeare. Verá que Cláudio é condenado à morte a partir de uma interpretação literal, tacanha; e, depois, é libertado por um ato voluntarista, quando o juiz troca a lei por um ato sexual com a irmã do réu. Shakespeare, como um autêntico moderno, entendia muito bem de interpretação!
No Supremo Tribunal Federal, por ocasião da sustentação oral de Lenio Streck no caso da ADC 44, foi pedido aos ministros que votaram pela aplicação literal do artigo 403 do CPP, dias antes, que assim o fizessem em relação ao artigo 283, do mesmo CPP, com objetivo de deixar claro a complexidade do ato de interpretar o Direito.
Pois, no “caso das alegações finais de réu não delator”, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de 7 a 4, assentou que as alegações finais do réu delatado devem vir por último, isto é, de todo modo, devem vir depois das do réu delator. No fundo, fez-se uma interpretação-conforme-ao-devido-processo-legal e ao direito à ampla defesa, previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Restou, no entanto, a discussão acerca dos efeitos.
Na verdade, tratando-se de direitos fundamentais (no caso, o STF já reconheceu que a ampla defesa e o devido processo legal são dessa extirpe), não se pode falar em modulação ou outro nome que se dê à coisa.
Todavia, por 8 votos a 3, o STF decidiu, embora dizendo que não cabe modulação, deixar aberta a porta daquilo que disse não pretender fazer: a própria modulação, o que fez o ministro Lewandowski brincar com a questão, dizendo, como que a repetir Shakespeare, em Romeu e Julieta (a rosa perderia seu perfume se lhe mudassem o nome), “ainda que se chame a um gato de cachorro, ele não deixará de miar” e, sim, apenas de fixar uma tese. Na verdade, um tribunal julga. Não faz teses. Tribunal julga causas.
De todo modo, a decisão está tomada. Resta, agora, saber qual será o alcance da decisão. O fato - e fatos existem - é que o STF (já) disse que se tratava de uma nulidade absoluta, tanto é que anulou a decisão , ao conceder a ordem de Habeas Corpus. Porém, ronda o espectro da nulidade absoluta versus nulidade relativa. Para além de um espectro, trata-se de uma falsa dicotomia, sustentada no adágio pásde nulitté sans grief (não há nulidade sem prejuízo ).
Ocorre que esse adágio não é princípio; esse adágio é anterior a Constituição; esse adágio vai contra a tese desenvolvida contemporaneamente de que uma nulidade do naipe de um direito fundamental (no caso, ampla defesa e devido processo legal) é sempre absoluta. Deve ser dada de ofício. O tribunal não dispõe da nulidade. Não é mensurável. Ela é! Simplesmente é. Presume-se o prejuízo.
Por isso, é preciso insistir: a decisão de concessão do Habeas Corpus fez uma leitura constitucionalmente adequada dos dispositivos do Código que tratam disso. Assim decidindo, o STF criou jurisprudência no sentido da aplicação do devido processo legal substantivo (ampla defesa efetiva). Claro que isso tem consequências .
(i) Já não se pode simplesmente dizer que somente alguns réus devem ter o direito de ter a sentença anulada.
(ii) O direito ao devido processo legal não depende e não pode depender de quem pedir.
(iii) A concessão da garantia de ampla defesa efetiva-substantiva decorre de obrigação do Estado.
(iv) E, em sendo a decisão do STF a afirmação do devido processo legal substantivo, não se pode exigir que o réu prove o prejuízo para dele se beneficiar. Por quê? Porque este é ínsito ao não cumprimento do substantive due process of law.
(v) Em síntese: O prejuízo é presumido.
(vi) Se o STF restringir os efeitos da decisão, irá transigir com normas constitucionais. (vii) Em face de casos de violação, o tribunal não pode deixar de assegurar essas garantias, sob pena de usurpação do lugar que é dos constituintes. Em nenhum lugar do mundo, a começar pelos Estados Unidos, restringe-se o efeito retroativo de uma anulação em favor do réu; restringe, sim, apenas quando a anulação prejudica o réu. (viii) Trata-se do velho princípio da regra mais favorável, presente em todos os sistemas jurídicos democráticos, inclusive no Brasil.
Por último, há que registrar que a tese que pretende limitar os efeitos (por todos, cito o Ministro Roberto Barroso) funciona como uma palavra mágica tipo “abre-te Sésamo”: o réu, para se beneficiar da decisão do STF, tem de alegar e provar o prejuízo. O que é isto, na prática? Simples: Pura (ou impura) subjetividade. Dependerá, sempre, do Tribunal.
Contra isso, fica autorizada uma analogia ou uma alegoria com o futebol. O ludopedismo sempre ajuda a entender melhor as coisas:
(i) O réu ter de alegar ou provar o prejuízo é como bater pênalti com goleiro vendado e amarrado: se ele não disser que suas chances são nulas, vale o gol, já que sua impossibilidade de ver e se mexer não demonstram por si só o prejuízo. (ii) Ou, por outra alegoria, o árbitro diz: se não reclamarem eu não marco impedimento, ainda que ele exista e desse impedimento saia um gol.
Resta saber como será o placar desse grande jogo que será a decisão acerca do alcance da nova jurisprudência (um novo precedente), tratando da redefinição significativa do artigo 403 do CPP.
O que importa é que os sentidos das palavras do texto constitucional não pertencem ao STF. Os sentidos da Constituição não são privados, não pertencem aos integrantes da Corte. Eles são públicos, construídos em linguagem pública.
Por isso, o STF não pode dar às palavras o sentido que quer. Isto vale para todos os dispositivos legais e constitucionais. Por isso é que, no conto de Lewis Carol (Alice Através do Espelho), a personagem Alice contesta Humpty Dumpty quando este lhe diz que pode haver, em vez de um aniversário, 364 desaniversários. Ela “esgrime a Constituição” (com o amparo da licença poética) e diz: “- Não pode ser assim”. E Humpty Dumpty responde: “Pode, sim. Porque eu dou às palavras o sentido que quero”.
E a comunidade jurídica deve responder também: não, não pode ser assim!
Resumo: a partir de recentes julgamentos da Suprema Corte brasileira, duas questões são enfrentadas no presente artigo, consistentes no exame da efetiva existência de direito do acusado-delatado de manifestar-se por derradeiro em alegações finais; e partindo-se do reconhecimento desse direito, acerca da natureza da nulidade decorrente do seu desatendimento.
Palavras-chave: Direito à ampla defesa. Direito ao contraditório. Alegações finais. Acusado delator. Acusado delatado. Prazo sucessivo. Nulidade. Prejuízo.
Abstract: from recent judgments of the Brazilian Supreme Court, two issues are addressed in this article, consistent with the examination of the effective existence of the denounced defendant’s right to speak out in final allegations; and starting from the recognition of this right, about the nature of nullity arising from its inattention.
Keywords: Right to full defense. Right to the adversary system. Final allegations. Whistleblower defendant. Denounced defendant. Successive term. Nullity. Prejudice.
De forma inédita, o Supremo Tribunal Federal, por sua 2ª. Turma, decidiu, por maioria, em 27 de agosto último, ao julgar o Agravo Regimental no HC 157627, anular sentença condenatória proferida em face de acusado-delatado, ao qual não fora assegurado pelo juízo de primeiro grau o direito de apresentar alegações finais após o oferecimento da aludida peça processual pelo delator, apesar do requerimento da defesa nesse sentido.(1) Dada a importância do tema e a fim de preservar a segurança jurídica e a estabilidade jurisprudencial da Corte, o Min. Edson Fachin, Relator, submeteu a questão ao Plenário, na forma regimental, para apreciação do HC 166373. Nesse julgamento, decidiu o Tribunal, por maioria, pelo reconhecimento do direito do acusado-delatado de manifestar-se por último, após as alegações finais do Ministério Público e do acusado-delator. Ficou pendente, entretanto, o exame de duas teses a serem decididas pelo Pleno, assim sintetizadas: “1) Em todos os procedimentos penais é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado delator que, nos termos da Lei nº 12850, de 2013, tenha celebrado acordo de colaboração premiada devidamente homologado, sob pena de nulidade processual, desde que arguido até a fase do artigo 403 do CPP ou o equivalente a legislação especial, e reiterado nas fases recursais subsequentes” e “2) Para os processos já sentenciados, é necessária a demonstração do prejuízo, que deverá ser aferida no caso concreto pelas instâncias competentes”.
Desses paradigmáticos julgamentos emergem, de plano, duas questões que merecem análise: a primeira diz respeito à efetiva existência de direito do acusado-delatado de manifestar-se por derradeiro em alegações finais; e, partindo-se do reconhecimento desse direito, tal qual a Suprema Corte decidiu, a segunda questão refere-se à natureza da nulidade decorrente do desatendimento desse direito.
Quanto à primeira questão, extraem-se, de ambos os julgados antes referidos, que parte dos Ministros integrantes da Corte entendeu inexistir tal direito e o fez com apoio nos seguintes fundamentos, em essência: i) o processo penal é regido pelo princípio da legalidade e, inexistindo previsão legal, inclusive na Lei nº 12850/2013, para a apresentação de alegações finais por acusados delatores e delatados em diferentes momentos, não se pode reconhecer tal direito; ii) a ordem de apresentação de alegações finais fixada na lei destina-se a estabelecer mínimo de equilíbrio de forças; contudo, essa lógica não se transfere automaticamente à colaboração processual; iii) a colaboração premiada é uma das estratégias de defesa e a opção por esse instituto não autoriza o juiz a fazer distinção entre acusados colaboradores e não colaboradores; iv) a questão não versa sobre o antagonismo entre acusação e defesa, mas entre “defesa” e “defesa” (do delator e do delatado); v) afastamento de violação ao contraditório e à ampla defesa na medida em que das alegações finais não emergem novos elementos de prova, estando o acervo probatório àquela altura já consolidado nos autos e conhecido por todos os atores do processo; desse modo, inexistiria prejuízo com a apresentação simultânea de alegações finais por todos os acusados (delatores ou não).
Já os Ministros que votaram pelo reconhecimento do direito do acusado-delatado ofertar alegações finais após o delator destacaram os seguintes fundamentos: i) não há previsão legislativa para a apresentação sucessiva de alegações finais pelo delator e pelo delatado, mas nada impede o reconhecimento dessa ordem; ii) a lacuna legislativa existente deve ser integrada pelo princípio da ampla defesa (analogia juris); iii) delatores e delatados não estão na mesma condição processual e por isso não podem ser tratados de forma igual; sua relação é de antagonismo; iv) é inegável que as alegações finais do delator contêm carga acusatória, de modo especial porque o delator firmou acordo com o acusador, obrigando-se a trazer elementos de prova para a acusação, sem os quais não faz jus aos benefícios estipulados, ou seja, o interesse do delator é pela condenação dos delatados, confluindo com o interesse da acusação; v) a defesa tem o direito de falar sempre por último e de rebater todas as alegações com carga acusatória, ainda que não haja inovação probatória nas alegações finais; assim afastar esse direito equivale à supressão do direito de defesa; vi) o direito ao contraditório e à ampla defesa permeiam todo o processo penal, inclusive no momento de oferecimento das alegações finais; vii) a colaboração premiada é meio de obtenção de prova e, assim sendo, a fixação de prazo comum às defesas dos acusados delatores e delatados para ofertar alegações finais traz prejuízo aos últimos.
Passa-se à análise desses fundamentos, em busca da resposta à primeira questão. Não há dúvida de que o princípio da legalidade vigora também no processo penal. Não se pode ignorar que sua essência é a proteção do cidadão frente ao poder estatal, estabelecendo claros limites, no campo penal, ao poder punitivo. No âmbito dos Direitos Humanos, o princípio da legalidade insere-se entre os direitos de primeira geração, também chamados de “direitos da liberdade”,(2) que limitam o poder estatal e asseguram a liberdade do indivíduo diante do Estado. Bem por isso considera-se que são “direitos de resistência ou de oposição ao Estado”.(3) Assim, o princípio da legalidade não constitui óbice para o reconhecimento do direito do acusado-delatado de oferecer suas alegações finais após o delator, mesmo sem lei expressa que o preveja, porque se assim fosse, haveria total subversão do escopo, sentido e alcance desse princípio-garantia. Estar-se-ia invocando garantia do cidadão frente ao poder punitivo estatal para desprotegê-lo. Por isso, a falta de previsão normativa quanto ao prazo sucessivo para oferecimento de alegações finais pelo acusado-delatado e pelo acusado-delator não só não impede o reconhecimento desse direito mas, ao contrário, impulsiona o intérprete a buscar a superação da lacuna legislativa na própria Constituição Federal, entre os princípios norteadores do processo penal, reconhecido que o Brasil organizou-se como Estado Democrático de Direito, assentado sobretudo no valor da dignidade humana.(4) Exatamente nessa linha de raciocínio foi proferido o voto do E. Ministro Celso de Mello, que buscou no princípio da ampla defesa, tutelado no texto constitucional (art. 5º, LV), a integração do ordenamento no tema. Trata-se, no caso, da analogia juris, recordando-se sempre que o princípio da legalidade somente veda, no âmbito penal e processual penal, a analogia in malam partem.
Nessa ordem de ideias, não se pode desconsiderar a peculiar condição processual e situação jurídica do acusado-delator. Ele não pode ser – e não é – equiparado ao acusado-delatado no tratamento legal. A diferença de posições processuais é patente: o acusado-delator firma acordo de colaboração processual, assumindo deveres processuais, entre os quais o de fornecer provas e subsídios à acusação, havendo metas estabelecidas na Lei 12850/2013 para que ele faça jus a benefícios legais (incisos I a V do art. 4º). Por isso, o antagonismo de posições entre o acusado-delatado e o delator é claro. Aliás, cuida-se de antagonismo de tal ordem e peculiaridade que não se apresenta idêntico nem mesmo na contraposição entre o Ministério Público e o acusado. Isso porque poderá o órgão ministerial, ao final da instrução processual, requerer a absolvição do acusado, mas o acusado-delator, bem diversamente, não poderá abrir mão de sustentar sua posição, que converge para a acusação, sob pena de não alcançar os benefícios acordados e de colocar a perder o próprio acordo firmado. Por isso, a lógica que verte do art. 403 do CPP, segundo a qual a ordem de apresentação de alegações finais principia pela acusação (representada pelo Ministério Público e pela assistência da acusação) e termina pelo acusado, aplica-se integralmente nos casos em que haja acusado-colaborador. Ou seja, considerando sua peculiar posição processual, alinhada à acusação por força de acordo homologado judicialmente, deve ele apresentar suas alegações finais imediatamente após o Ministério Público e a assistência de acusação (caso habilitada). E, por último, cabe ao acusado-não colaborador fazê-lo. Em suma, a mens legis do art. 403 mencionado, no tocante à ordem de apresentação de alegações finais, que respeita o direito ao contraditório, à paridade de armas e à ampla defesa, se aplica integralmente às hipóteses em que haja acusado-delator.
É sabido que o direito à ampla defesa compreende o direito à informação,(5) que abrange o prévio conhecimento de todos os elementos probatórios constantes dos autos e também das manifestações e requerimentos lançados pela acusação. Para além, a efetividade do direito à ampla defesa pressupõe a contraditoriedade em todos os atos do procedimento,(6) o que inclui o direito de opor-se a todas as manifestações da acusação, seja ela integrada pelo Ministério Público, pela assistência de acusação ou mesmo pelo acusado-delator. Desse modo, o fato de estar consolidado o acervo probatório quando da apresentação de alegações finais pelas partes, não inibe, de forma alguma, o direito do acusado-delatado de ofertar suas alegações finais após o delator. O não reconhecimento desse direito implica desrespeito ao contraditório e, em última instância, a negação do próprio direito de defender-se.(7)
Além disso, o não reconhecimento do direito do acusado-delatado à última palavra nas alegações finais atinge, de igual modo, a paridade de armas, que integra o devido processo legal. A acusação, sob essa ótica, fica em franca vantagem, em detrimento do acusado-delatado, que resta privado de contrapor teses e argumentos da acusação que não integraram o memorial do Ministério Público e do assistente da acusação.
Em suma: em decorrência do delineamento constitucional brasileiro, de viés democrático, que se assenta sobre o valor da dignidade humana e está integrado pelos princípios do devido processo legal (que pressupõe a par conditio), do contraditório e da ampla defesa, o acusado-delatado tem o direito de apresentar suas alegações finais após o Ministério Público, o assistente da acusação e o acusado-delator, superando-se a lacuna legislativa existente por meio de analogia juris, invocando-se como norma integradora o princípio da ampla defesa.
Resta examinar ainda a segunda questão, atinente à natureza da nulidade decorrente do desatendimento desse direito: trata-se de nulidade absoluta ou relativa?
Reconhecido, pela Suprema Corte, o direito de o acusado-delatado manifestar-se por último em alegações finais, tornou-se forçoso examinar qual a sanção processual aplicável, já que de mera irregularidade não se trata. Nesse contexto, nos debates travados no julgamento do HC 166373, houve manifestações no sentido de que se cuidaria de nulidade relativa, tornando indispensável para o seu reconhecimento a demonstração do prejuízo e, ademais, estabelecendo a condicionante de que a defesa do acusado-delatado tivesse pleiteado o reconhecimento desse direito desde o primeiro grau de jurisdição e nas sucessivas instâncias.
Para o deslinde da questão, mostra-se relevante realçar que a norma desobedecida no caso é constitucional, consistindo no princípio da ampla defesa (norma integradora da lacuna apontada). E, em se tratando de norma de garantia, conforme o magistério da saudosa professora Ada Pellegrini Grinover e dos ilustres professores Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, na consagrada obra As nulidades no processo penal,(8)a nulidade decorrente de sua inobservância será sempre absoluta, não havendo espaço para a mera irregularidade ou para a nulidade relativa. Via de consequência, deverá ela ser decretada de ofício, independentemente de requerimento ou de provocação da parte. Segundo os precisos ensinamentos dos mencionados professores, tal conclusão decorre do fato de que “as garantias constitucionais-processuais, mesmo quando aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do devido processo legal”. São, pois, integrantes do processo justo e democrático.
Todavia, essa constatação não afasta a necessidade de verificação do prejuízo no caso concreto. Mesmo para o reconhecimento de nulidades absolutas, não se dispensa a existência de prejuízo que, nelas, entretanto, costuma ser evidente, tornando a demonstração a respeito desnecessária.(9) No tema analisado, o comprometimento da ampla defesa e do contraditório, que asseguram a participação da parte na formação do convencimento do juiz, conduz à evidência do prejuízo, manifestado, no mais das vezes, em sentença condenatória do acusado-delatado. E essa conclusão não resta abalada nem mesmo quando o juiz não decline, de forma expressa, na fundamentação do decreto condenatório, elementos, argumentos ou teses que foram invocados nas alegações finais do acusado-delator. O mero acesso e conhecimento do julgador acerca do conteúdo das alegações do delator, não confrontadas pelo delatado, que sobre elas não pode exercer o necessário contraditório, influencia a formação do convencimento do juiz, ainda que não manifestado na fundamentação da sentença.
Por fim, foi bastante oportuna a observação do Min. Alexandre de Moraes, em seu voto, ao frisar que não há nenhuma relação entre impunidade e respeito aos princípios constitucionais. Cabe ao juiz, no processo penal, o dever de zelar pela observância dos princípios constitucionais, notadamente quanto às garantias do devido processo legal, estimulando o contraditório e assegurando a ampla defesa, em reforço à paridade de armas e à sua imparcialidade. Mesmo em situações nas quais não há colaboração processual, para resguardar o exercício do direito à ampla defesa, não raro os juízes estabelecem prazo sucessivo para o oferecimento de alegações finais, quando a causa é demasiadamente complexa. Essa postura, tuteladora dos direitos fundamentais no processo, é que se espera do julgador durante todo o seu curso, de modo especial no que tange ao direito do acusado-delatado de se manifestar por derradeiro, independentemente de requerimento. Assim agindo, atendido estará o interesse público na construção de um processo penal justo e democrático.
Maria Elizabeth Queijo
Doutora e mestra em Processo Penal pela USP. Advogada.
ORCID: 0000-0002-7219-7020
beth@eqz.adv.br
Recebido em: 16.11.2019
Aprovado em: 17.11.2019
Versão final: 21.11.2019
Doutora e mestra em Processo Penal pela USP. Advogada.
ORCID: 0000-0002-7219-7020
beth@eqz.adv.br
Recebido em: 16.11.2019
Aprovado em: 17.11.2019
Versão final: 21.11.2019
(1) O Min. Relator Edson Fachin havia negado seguimento ao HC impetrado, sendo interposto pela defesa Agravo Regimental, ao qual S. Exa. também negou provimento. Votaram pelo provimento do Agravo e concessão da ordem os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.
(2) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 517.
(3) BONAVIDES, op. cit., p. 517.
(4) A esse respeito, lapidar a lição de Flávia Piovesan, na obra Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, na qual realça que é da “reaproximação da ética e do direito” que surge a “força normativa dos princípios” (10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 29).
(5) TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 174-179.
(6) TUCCI, op. cit., p. 176. O saudoso autor sustenta que deve ser “‘efetiva, real’, em todo o desenrolar da persecução penal”, assegurando-se devidamente a liberdade jurídica do indivíduo “enredado na ‘persecutio criminis’” (p. 181).
(7) A saudosa professora Ada Pellegrini Grinover e os professores Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, na obra As nulidades no processo penal, prelecionam, com acerto, que “Defesa e contraditório são indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao da ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório” (12. ed., São Paulo: RT, 2011, p. 71).
(8) GRINOVER et al., op. cit., p. 24-25.
(9) Idem, ibidem, p. 27.
Resumo: Embora haja concordância quanto ao fato de que o acusado deva falar por último no processo penal, pois esta fala, influente na persuasão do juiz, traduz a possibilidade de rebater as alegações da acusação e com isso concretizar a amplitude do direito de defesa, a ausência de disciplina legal para a cronologia das “falas” quando há réus delatores e delatados não deveria ensejar nenhuma dificuldade com a aplicação dos princípios e garantias constitucionais. O réu delatado deve falar depois do delator. O texto se ocupa de mostrar como uma interpretação autoritária do plexo de normas incidentes, levou o juiz da Lava Jato à concretização do indevido processo legal. Por outro lado, demonstra-se a importância do habeas corpus como meio de controle idôneo do devido processo legal para a correção de desvios autoritários.
Palavras chave: contraditório; ampla defesa; cronologia das falas; habeas corpus e controle do devido processo legal.
Abstract: Although there is agreement on the fact that the defendant should be the last to speak in criminal proceedings, since this speech, which can influence the judge, translates the possibility to rebut the prosecutor’s allegations and thereby materialize the extension of the right of defense, the absence of legal writings about the chronology of “speeches” when there are whistleblowers and reported defendants should not create any difficulty to the realization of constitutional principles and guarantees. The reported defendant must always speak after the whistleblower. This article shows how an authoritarian interpretation of the legal regulation made a Car Wash judge realize the undue process of law. Also, it demonstrates the importance of habeas corpus as a legitimate mean of control of the due process of law to correct authoritarian deviations.
Keywords: Audi altera partem. Full defense. Chronology of speech. Habeas corpus. Control of the due process of law.
1 Duas palavras para entender o caso
Coube ao jornalista Elio Gaspari, em inspirado texto (O inferno de Moro, uma tragédia brasileira, Folha de S. Paulo, 1/9/2019) explicar a atitude do então juiz Sérgio Moro no processo a que respondeu Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, na 13ª Vara Criminal de Curitiba: “Para Moro, a conta do faço porque-posso veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal”. Achava, “mas não podia”.
De par com a compreensão da importância de a defesa falar por último no processo penal está a percepção do amesquinhamento da garantia do habeas corpus, uma vez que tanto o TRF da 4ª Região como o STJ e o próprio ministro Edson Fachin afastaram a idoneidade do writ para discutir a matéria. Esta é outra faceta do caso que, embora pouco difundida, assombra pela facilitação da consecução de um processo penal autoritário e merece, igualmente, nossa atenção.
2 Os princípios constitucionais, o processo penal e a cronologia das falas
Nada melhor do que o resgate histórico dos fatos para se compreender o traço mais saliente da Operação Lava Jato: o desprezo pelo direito de defesa. A discussão sobre a nulidade decorrente da imposição de réus delatores e delatados oferecerem em prazo comum suas alegações finais, hoje chamadas de memoriais, deixa clara a mentalidade autoritária do juiz que presidia o feito.
Na ação penal contra Aldemir Bendine, ao realizar os interrogatórios dos réus delatores e do delatado, o juiz Sérgio Moro deixou este por último. A lei não faz distinção alguma quanto à ordem dos interrogatórios, mas, sabiamente, valendo-se dos princípios e garantias constitucionais, interpretou que o delatado deveria falar depois dos delatores para poder rebatê-los; defender-se.
Todavia, ao determinar a entrega das alegações finais não fez a mesma distinção. Pior. Mesmo questionado pela defesa sobre o cerceamento de defesa ocasionado por impedir que esta rebatesse os argumentos lançados pelos advogados dos delatores, respondeu que a lei não fazia distinção alguma entre acusados (cf. CPP, art. 403 e a Lei que define as Organizações Criminosas, 12.850/2013). Ora, para a ordem dos interrogatórios a lei também não faz distinção.
A mesma lógica que orientou a disciplina dos interrogatórios deveria ter iluminado a cronologia da entrega das alegações finais. A lei deve ser interpretada conforme a Constituição, e não o contrário. O juiz não pode se limitar a invocar a ausência de previsão legal, e deixar de verificar o regramento constitucional.
De fato, o contraditório, como princípio constitucional, há de ser efetivo e isso só se dá quando o acusado puder se contrapor a todas as cargas acumuláveis contra si. Eis, no ponto, a lição do sempre lembrado professor Canuto Mendes de Almeida: “Praticamente o princípio do contraditório se manifesta na ação penal pela ciência tempestiva dada ao imputado de todas as cargas judicialmente contra ele acumuláveis”.(1)
Na sábia advertência de Rogério Lauria Tucci, “a contraditoriedade deve ser efetiva, real, em todo o desenrolar da persecução penal, (...)”.(2)
Ora, podendo, remarque-se, a manifestação derradeira do delator, ser “carga contra o delatado”, é evidente, por força do contraditório e do princípio da ampla defesa, que não pode ser a última. Esse é o ponto nodal da discussão e não a intricada questão de se saber qual a natureza da fala do delator. Basta dizer que seu depoimento tem carga acusatória para se deferir ao delatado o direito de ser interrogado por último e, da mesma forma, oferecer seus memoriais depois de apreciar o daquele.
Para se fazer um paralelo, antigamente, mesmo nas apelações do Ministério Público contra sentenças absolutórias, o seu representante de segundo grau tinha a primazia de falar por último. Dizia-se, para se legitimar a ofensa ao contraditório, que ele funcionava como “fiscal da lei”, não era parte acusatória. Até que o então jovem Procurador Geral de Justiça do Distrito Federal, hoje Ministro do STJ, Rogério Schietti Machado Cruz, pioneiramente, apontou que a situação existente ensejava uma espécie de burla de etiquetas. Assinalou que o atuar como fiscal da lei não retira a eventual carga acusatória do representante do Ministério Público. Nas suas palavras, “assim como a forma não desnatura a matéria, mas apenas modifica sua aparência, o parecer do Procurador de Justiça não elimina, mas tão-somente esconde a sua função acusatória que, nas alegações finais ou na denúncia do Promotor de Justiça, se revela bem mais nítida. Ou será _ indaga o ensaísta _ “que estas últimas peças processuais retiram do Ministério Público atuante no primeiro grau a sua função fiscalizadora?” (Atuação do Ministério Público no processamento dos recursos dos recursos criminais face aos princípios do contraditório e da isonomia, RT 737/495).
Tempos depois, o Pleno do STF, no HC 87.926, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, processualista de mão cheia, sepultou a matéria e afirmou a nulidade do julgamento quando o órgão ministerial seja apelante o seu representante no Tribunal venha a falar por último (DJ 25/4/2008). Vale o registro de que também aqui não havia lei expressa a respeito.
Foi exatamente o que o STF fez ao determinar a anulação da ação penal contra Bendine (HC 157.627, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, j. em 27/8/2019) e agora, novamente, por expressiva maioria, no julgamento realizado pelo Pleno no HC 166.373, rel. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em 2/10/2019).
É bom lembrar que antes do julgamento do HC em favor de Bendine, o TJDF, pela voz qualificada da desembargadora Sandra De Sanctis, já havia se pronunciado sobre o tema da cronologia da entrega dos memoriais, em síntese memorável: “Se o depoimento do corréu aproxima-se da prova obtida em delação premiada, não é adequado que ele seja interrogado após os demais, nem que a defesa se manifeste após as outras, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Na hipótese, ainda que não tenha celebrado acordo formal, o confessou e colaborou com a justiça ao relatar, detalhadamente, como teria ocorrido a empreitada criminosa e a participação dos corréus”. Ordem concedida (TJDF, 1ª T. Criminal, HC 20170020114479HBC, rel. Des. Sandra de Santis, j. em 04/5/2017).
Com propriedade, no mesmo julgado, lembrou-se o óbvio: “A atividade estatal - principalmente a função jurisdicional - deve ser exercida de forma a dar a máxima eficácia às garantias basilares do indivíduo, entre as quais a liberdade de locomoção, o contraditório, a ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal”.
Na dicção da Suprema Corte, ao conceder ordem de habeas corpus em caso de arbítrio do juiz que impediu os advogados dos corréus de dirigir perguntas aos outros, advertiu-se: “o direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao ‘due process of law’, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos” (2ª T., HC 94.016, rel. Min. Celso de Mello, DJ 1º/4/2013).
A matéria é simples de um ponto de vista processual e importa na compreensão de princípios básicos do processo penal interpretado à luz da Constituição e não o contrário, como parece ter feito o juiz de primeiro grau e os Tribunais que o sucederam no exame do writ. A questão só ganhou relevo por conta, de um lado, do autoritarismo processual em que vivemos e, de outro, por ter sido a primeira vez que se anula uma ação da Lava Jato e com repercussão certa em outros casos. Não fosse assim, o assunto passaria batido. Prova disso é o julgado pioneiro do TJDF que ficou sem o destaque merecido.
Todavia, em que pese a clareza do direito processual violentado, a sua discussão e o seu reconhecimento nas Cortes representaram uma verdadeira novela que, essa, sim, é importante e merece meditação.
3 O habeas corpus e o controle do devido processo legal
A despeito de a proposta de estreitamento do cabimento do habeas corpus contida nas assim chamadas “10 Medidas contra a Corrupção” ter sido rejeitada no Congresso, está se erguendo um tipo de jurisprudência segundo a qual o writ só cabe quando a questão suscitada estiver direta e imediatamente ligada à liberdade de ir e vir.
Seria de se aplaudir tal intelecção caso estivesse em vigor o dispositivo da Reforma Constitucional de 1926, segundo o qual “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”. Veja-se que a reforma em questão, promulgada pelo presidente Arthur Bernardes em pleno estado de sítio, suprimia totalmente o aspecto preventivo do writ. A Carta de 1937, sob esse aspecto, foi menos restritiva; admitiu a concessão da ordem nos casos de iminência da coação.
Contudo, a partir da Constituição de 1946, já sob regime democrático, o writ foi regulado de forma mais ampla e generosa, sendo suprimida a exigência da iminência da coação ou violência à liberdade de locomoção para a concessão do habeas preventivo. O art. 141, §23, estabelecia: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Daí em diante passou-se a entender que “é admissível a tutela antecipada mesmo em situações em que a prisão constitua evento apenas possível a longo prazo”.(3) Isso tem permitido “que o habeas corpus seja, entre nós, um remédio extremamente eficaz para o controle da legalidade de todas as fases da persecução criminal”.(4)
Não por acaso, inúmeros julgados de norte a sul do Brasil, de Tribunais Estaduais, Regionais e Superiores têm proclamado a idoneidade do habeas para sanar nulidade processual(5) decorrente de inépcia de denúncia,(6) ou, para exemplificar, a decorrente da determinação da realização de interceptação telefônica por autoridade incompetente(7) ou da colocação indevida de algemas no júri, de modo a transmitir a ideia de que o acusado seja perigoso;(8) para evitar o indevido indiciamento.(9)
A maior prova da vitalidade e do alcance do writ na proteção do devido processo legal é a hipótese da negativa de vista dos autos ao advogado do investigado na fase do inquérito policial, discutida pelo STF no HC 82.354. À primeira vista, não há ameaça à liberdade de locomoção, todavia, há cerceamento de defesa que, de forma mediata, pode comprometer a liberdade com uma futura condenação. Não se trata, como deixou assentado a Primeira Turma do STF no referido habeas relatado pelo em. Ministro Sepúlveda Pertence, “de fazer reviver a doutrina brasileira do habeas corpus, mas sim de dar efetividade máxima ao remédio constitucional contra a ameaça ou a coação da liberdade de ir e vir, que não se alcançaria, se limitada a sua admissibilidade às hipóteses da prisão consumada ou iminente”.(10) Daí ter recordado o decidido pela mesma Turma no HC 79.191, em cujo writ se discutia ilegalidade da quebra do sigilo bancário do paciente. A ementa consignou: “Se se trata de processo penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF admite o habeas corpus, dado que de um ou outro possa advir condenação a pena privativa de liberdade, ainda que não iminente, cuja aplicação poderia vir a ser viciada pela ilegalidade contra o qual se volta a impetração da ordem. Nessa linha, não é de recusar a idoneidade do habeas corpus, seja contra o indeferimento de prova de interesse do réu ou indiciado, seja o deferimento de prova ilícita ou o deferimento inválido de prova lícita”.(11)
Mesmo sem a amplidão de outrora, quando se entendia cabível o habeas “sempre que, no curso da ação penal, se alega que foi cometida uma ilegalidade em prejuízo do réu”,(12) assinalou o Min. Pertence que “não se controverte sobre o cabimento do habeas corpus contra a simples instauração de inquérito policial por fato que se pretende atípico (v.g, HC 67.039, 31.10.89, Moreira; HC 68.348, 20.3.91, Passarinho) ou como é corriqueiro, contra o recebimento da denúncia; ou para questionar a competência da Justiça ou do Juízo onde corra o processo (HC 75.578, 2ª T., Corrêa, Informativo STF 94; HC 77.993, 1ª T., Pertence, 9.3.99)”. Por isso, concluiu: “não parece ser de recusar a idoneidade do habeas corpus, seja contra o indeferimento de prova do interesse do réu ou indiciado, seja contra o deferimento de prova ilícita ou deferimento inválido de prova lícita” (HC 82.354).
Essa gama imensa de situações atina com a proteção do devido processo legal que, se vulnerado, mediatamente, pode vir a atingir a liberdade do investigado ou réu. Por isso, a legitimação do manejo do habeas para coibir abusos, mais que uma exigência de o Estado dotar o cidadão de meios para combater as ilegalidades, converte-se num instrumento para coarctar o autoritarismo processual de juízes que, em bom português, fazem o que querem.
Na contramão do que pareceu ao TRF da 4ª Região, à 5 ª Turma do STJ e à decisão agravada prolatada pelo Ministro Edson Fachin, quando o STF julgou o memorável HC 94.016, relator o Ministro Celso de Mello, se tratava do cerceamento da defesa pela ilegalidade no impedimento de os advogados dos corréus fazerem reperguntas ao réu interrogado, também não estava em jogo diretamente a liberdade de ir e vir. Mas apenas indiretamente. É que do processo errado pode nascer a condenação, e, desta, o cerceamento à liberdade de locomoção. Daí a possibilidade de se manejar o habeas corpus como expressamente admite o CPP de 1941, no seu art. 648, inc. VI. Veja-se que no brilhante precedente, o paciente estava em liberdade.
Quando no HC 127.415, rel. Min. Gilmar Mendes (DJ 27/9/2016) se discutiu a inépcia da denúncia ou, no HC 136.331, rel. Min. Ricardo Lewandowski, (DJe 27/6/2017), a ilegalidade na inobservância ao direito ao silêncio ou no HC 124.195, rel. Min. Carmén Lúcia , ( DJe 20/11/2014) a falta de intimação para o julgamento em segunda instância, em nenhum desses casos estava em jogo, diretamente, a liberdade de locomoção.
Daí a obviedade de que o apontado cerceamento de defesa e violação ao contraditório, por se impedir que o delatado se contraponha a todas manifestações com carga acusatória em seus memorias, sua derradeira oportunidade de defesa na ação penal, pode e deve ser coarctado por meio do habeas corpus.
A “dificuldade” que certos juízes e tribunais têm (ou criam) para conhecer habeas corpus,não apenas lhes retira a possibilidade de controle sobre a legalidade da ação penal, como deixa o cidadão à mingua de meios para combatê-la. Pior: abre espaço para o desenvolvimento de um tipo de autoritarismo processual no qual a regra posta e os princípios constitucionais perdem espaço para o “são sentimento” do juiz. Ou bem entendemos que não há espaço para processos e condenação sem respeito ao devido processo legal ou bem admitiremos o vale-tudo, antítese do direito e da própria civilidade.
Alberto Zacharias Toron
Doutor e mestre em Direito pela USP.
Ex-Presidente do IBCCRIM.
Professor de Direito Processual Penal da FAAP. Advogado.
Recebido em: 06.11.2019
Aprovado em: 06.11.2019
Versão final: 13.11.2019
(1) Almeida, Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1973. p. 107.
(2) Tucci, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. Ed. Saraiva, 1993, p. 211. Idem, Fernandes, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 6. ed. Revista dos Tribunais, 2010. p. 58.
(3) Grinover, Ada Pellegrini et al., Recursos no processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 272. Idem, Badaró, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012. p. 676.
(4) Grinover, op. cit., p. 272.
(5) STJ, 5ª T., HC 17.953, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 8/4/2002 e, entre muitos outros, RHC 13.798, rel. Min. Félix Fischer, DJ 3/11/03; apud Franco, Alberto Silva. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed. 2004. v. I p. 1150/51.
(6) STF, HC 70.687, rel. Min. Pertence, RT 708/414; apud Afranco, op. cit., p. 1151 e, entre muitos outros, STF: HC 85.948-8/PA, Rel. Min. Carlos Ayres Britto DJ 23.05.2006; RHC 85.658/ES, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 12.08.2005; HC 83.948-7-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 07.05.2004; HC 80.549/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 24.08.2001. STJ, entre muitos outros, 5ª, T., HC 171.976, rel. Min. Gilson Dipp, DJe 13/12/2010.
(7) STJ, 5ª T., HC 83.632, rel. Min. Jorge Mussi, DJ 20/9/2010.
(8) STF, Pleno, HC 91.952, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19/12/2008. Sobre o tema, ver Gomes Filho, Antonio Magalhães. Sobre o uso de algemas no julgamento pelo Júri. Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 110, dez.1992.
(9) STJ, 5ª T., HC 58.323, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 11/9/06 e STJ, 6ª T., HC 18.054, rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 22/8/01, entre muitos outros.
(10) STF, 1ª T., un., DJ 24/09/04.
(11) RTJ 171/258, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 08/10/1999.
(12) Luiz Gallotti, RHC 46.807, RTJ 49/592.
O ano de 2019 traz importantes aniversários para a promoção de direitos humanos no continente americano: comemoram-se os 60 anos da criação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão IDH, criada em 1959) e os 50 anos da edição da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH, elaborada em 1969). Após décadas de aceitação, pelo Brasil, da supervisão internacional de direitos humanos, há evidente crescimento de casos brasileiros na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e na Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como há contínuo uso de precedentes internacionais em petições de interessados na defesa de direitos humanos no país. Assim, o presente artigo visa sistematizar e refletir criticamente sobre as possibilidades de uso das normas e decisões internacionais de direitos humanos para fazer avançar a proteção de direitos dos vulneráveis no Brasil, mostrando as potencialidades do uso direto (pelas vias promocional e judiciária) e indireto (pela invocação nacional de precedentes transformadores do plano internacional). O foco do artigo será o uso do sistema interamericano de direitos humanos, com especial interesse na atuação da Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos
Inicialmente, cabe destacar que a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos relaciona-se à nova organização da sociedade internacional no pós-Segunda Guerra Mundial.(1) Anteriormente, o Direito Internacional possuía apenas normas esparsas referentes a certos direitos essenciais, como se vê na temática do combate à escravidão no século XIX, ou ainda na criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho, 1919), que desempenha papel importante até hoje na proteção de direitos trabalhistas.
Como marco dessa nova etapa do Direito Internacional, foi criada, na Conferência de São Francisco em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, em diversas passagens, utiliza expressamente o termo “direitos humanos”, com destaque ao artigo 55, alínea “c”, que determina que a Organização deve favorecer “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Já o dispositivo seguinte, o artigo 56, estabelece o compromisso de todos os Estados-membros agirem em cooperação com a Organização para a consecução dos propósitos enumerados no artigo anterior.
Não obstante, a Carta da ONU não listou os direitos que seriam considerados essenciais. Por isso, foi aprovada, sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que contém 30 artigos e explicita o rol de direitos humanos aceitos internacionalmente. Desde então, o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos gerou uma positivação internacionalista desses direitos fundamentais, com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados e com impacto direto na vida das sociedades locais. Houve a edição de inúmeros tratados na área dos direitos humanos, tanto em nível global quanto regional, sem contar a consolidação de costume internacional a respeito de determinados direitos.(2)
Assim, a internacionalização dos direitos humanos é uma realidade incontornável, existindo obrigaçõesinternacionaisvinculantes nessa temática, outrora dominada pelas Constituições e leis locais. Consequentemente, o descumprimento de uma obrigação internacional de proteção de direitos humanos pelo Estado torna-o responsável pela reparação dos danos causados.(3)
A responsabilização internacional do Estado é essencial para reafirmar a juridicidade desse conjunto de normas voltado para a proteção dos indivíduos e para a afirmação da dignidade humana. Com efeito, as obrigações internacionais nascidas com a adesão dos Estados aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos só possuem conteúdo real quando o mecanismo de responsabilização por violações é eficaz. Tal mecanismo deve ser o mais amplo possível, para que se evite o caráter meramente programático das normas internacionais sobre direitos humanos.
Desse modo, a internacionalização implantou formalmente o universalismo dos direitos humanos, inoculado pela adoção pelos Estados do mesmotexto de direitos humanos imposto nos tratados ratificados. Porém, não basta a adoção da mesma redação de um determinado direito por dezenas de países que ratificaram um tratado para que o universalismo seja implementado. É necessário que tenhamos também uma mesma interpretaçãodesse texto.
Ou seja, é necessário que exista um mecanismo internacional que averigue como o Estado interpretao texto adotado. Por isso, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é composto por duas partes indissociáveis: (i) o rol de direitos de um lado e (ii) os processos internacionais que interpretam o conteúdo desses direitos e zelam para que os Estados cumpram suas obrigações. Contudo, os Estados - entre eles o Brasil - preferem, em várias situações, manter uma interpretação nacional de textos internacionais, o que torna o regime jurídico dos direitos humanos internacionais incoerente: universal no texto, mas nacional na aplicação e interpretação de suas normas na vida cotidiana.
Essa dicotomia (universalismo na ratificação versus localismo na aplicação) representa o velho “truque de ilusionista” do plano internacional: os Estados ratificam tratados, descumprem-nos cabalmente, mas alegam que os estão cumprindo, de acordo com a ótica nacional.(4) Aplicado o truque de ilusionista aos direitos humanos, veremos os Estados afirmarem que respeitam determinado direito humano, mesmo que sua interpretação seja peculiar e em cabal contradição com a interpretação dos órgãos internacionais.
Nos dias de hoje, esse truque de ilusionista não engana. Não é mais suficiente assinalar, formalmente, os direitos previstos no Direito Internacional, registrar, com júbilo, seu estatuto normativo de cunho constitucional ou supralegal e, contraditoriamente, interpretar os direitos ao talante nacional.
Esse esquema tradicional de aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos nãoémais adequado para levarmos o universalismo dos direitos humanos a sério. É necessário que avancemos na aceitação da interpretaçãodo conteúdo e alcance de tais direitos pelo próprio Direito Internacional.
No caso brasileiro, não é mais possível evitar a interpretação internacionalista, pois aderimos a vários mecanismos coletivos de apuração de violação de direitos humanos, como, por exemplo, o da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Não cabe mais, então, interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos sob uma ótica nacional, criando-se uma esdrúxula “Convenção Americana de Direitos Humanos brasileira” e desprezando a interpretação que lhe é dada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Nesse ponto, deve-se valorizar a atividade de ponderação de direitos que é desenvolvida, sem maiores traumas, pelos órgãos internacionais judiciais ou quase judiciais de direitos humanos, que são os intérpretes autênticos desses textos de cunho internacional. Importante mencionar que a interpretação internacionalista é a única que assegura a universalidade dos direitos humanos prometida no momento da ratificação dos tratados pelos Estados. De fato, de nada adiantaria advogar a adesão formal brasileira a tais tratados e, ao mesmo tempo, permitir que a interpretaçãodesses tratados seja realizada por órgãos nacionais. O universalismo dos direitos humanos, como já mencionado acima, fatalmente seria perdido e teríamos novamente os direitos humanos locais, a depender da proteção nacional, em idêntica situação ao que existia antes da Segunda Guerra Mundial.
Deve-se recordar que os direitos humanos desenvolveram-se no plano internacional para fornecer proteção adicional ao indivíduo na falha do Estado. Por isso, as garantias internacionais possibilitam o acesso do indivíduo a órgãos internacionais, após terem sido esgotados os recursos internos. A jurisdição internacional é subsidiária, porém sua existência fornece uma última esperança aos que foram ignorados no plano interno.
Os Estados - mesmo os democráticos - ficam obrigados a garantir direitos básicos a todos sob sua jurisdição, nacionais ou estrangeiros, mesmo contraa vontade das maiorias e paixões de momento. A própria exigência de esgotamento dos recursos internos é fator que maximiza a faceta de proteção de vulneráveis: em geral, a cúpula do Poder Judiciário de um país representa a maioria hegemônica, como se vê, simbolicamente, no ritual de aprovação de todosos membros dos Tribunais Superiores no Brasil graças ao voto da maioria absolutado Senado Federal e após indicação por parte do Presidente da República, este também eleito pela maioria absoluta de votos (em dois turnos, se necessário). No mais, os Poderes Legislativo e Executivo também são formados, nos Estados Democráticos como o Brasil, à sombra do princípio da prevalência da vontade da maioria.
Indiretamente, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é essencialmente contramajoritário, pois as maiorias em geral são bem-sucedidas no processo político e auferem a proteção pretendida. Não necessitam e não procuram, em regra, a jurisdição internacional.(5)
Essa será acionada justamente pelos grupos vulneráveis, que não logram êxito no plano doméstico, tendo sido eventualmente derrotados também na jurisdição constitucional que deve zelar pelo respeito aos direitos previstos nas Constituições.
Assim, as minorias (grupos não hegemônicos, mesmo que numericamente superiores) têm dificuldade de fazer valer seus pontos de vista nas arenas política e judicial internas, exigindo uma alavanca: a proteção internacional dos direitos humanos.
A qualidade contramajoritária dos direitos humanos internacionais revela-se na promoção de novas interpretações de direitos, em busca de tolerância e emancipação, em especial contra posições tradicionais (com viés cultural, social ou mesmo religioso) das maiorias. Muitas vezes, o sistema judicial de um Estado não permite a interpretação evolutiva dos direitos previstos, castigando grupos sociais que não têm influência política ou visibilidade.
Usando o Brasil como exemplo, surgem debates de intensa importância para os grupos vulneráveis, como a luta pela descriminalização do aborto, pela superação da anistia aos agentes da ditadura militar, pela criação de mecanismos que impeçam a violência policial, pela melhoria do sistema prisional (cronicamente abandonado pelos sucessivos governos democráticos brasileiros), entre outros temas. Não se nega que a jurisdição constitucional como a brasileira, na promoção dos direitos fundamentais, também pode agir de modo contramajoritário, em especial quando fulmina – por inconstitucionalidade – leis e emendas constitucionais que ofendem direitos e garantias individuais (cláusula pétrea da CF/88). Todavia, a jurisdição internacional possui uma essência contramajoritária agravada ou qualificada, pois faz também o crivo dos julgados dos Tribunais Superiores de um Estado, inclusive de sua Corte Constitucional. Nem o poder constituinte originário escapa do controle internacionalista dos direitos humanos.
A busca da interpretação internacionalista deve estar inserida na estratégia de atuação das vítimas e dos órgãos nacionais independentes de defesa de direitos humanos para superar situações de desrespeito a direitos, as quais o sistema de justiça nacional tenha se mostrado incapaz de corrigir.
O sistema interamericano de direitos humanos (SIDH) é bom exemplo de uso dos sistemas internacionais de direitos humanos por parte especialmente das vítimas e de organizações não governamentais. Para não fugir ao escopo do presente artigo, o “sistema interamericano” é composto por diversos diplomas normativos, em especial a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA, 1948), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Diretos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador, 1988). No que tange aos órgãos, destacam-se, no “sistema interamericano”, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão IDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Grosso modo, há duas vias para se obter no SIDH a modificação do comportamento estatal. A primeira via é a “via promocional” e a segunda é a “via judiciária”. A via promocional consiste no uso de diversos mecanismos institucionais da OEA (especialmente, os vinculados à Comissão IDH) para convencer o estado infrator a modificar voluntariamente sua conduta. Esses mecanismos são variados: podem consistir em notas à imprensa chamando a atenção das autoridades nacionais para determinada situação de violação de direitos humanos (em razão do pouco interesse da mídia nacional, por exemplo), chamamento de audiência temática na Comissão IDH, emissão de recomendação por parte de Relator Especial da Comissão, produção de informes temáticos, entre outras possibilidades. Há em comum (i) o uso da estratégia de exploração da visibilidade da conduta estatal e do sofrimento das vítimas e (ii) permanente manutenção da temática em evidência, até que o Estado adote as medidas necessárias.
A via promocional é lenta e tem como premissa a existência de mecanismos internos de proteção de direitos humanos que sejam pressionados a agir com base nesse tipo de estímulo. Há o risco de serem “palavras ao vento”, gerando acúmulo de audiências, seminários, informes, relatórios, notas à imprensa, sem maior consequência. Mesmo em Estados democráticos, não é certo que as autoridades eleitas se sensibilizem em adotar determinadas medidas que podem ser até mesmo impopulares na defesa de direitos humanos. Contudo, a via promocional não pode ser abandonada, pois resulta - no mínimo - na outorga de publicidade a determinada temática de direitos humanos, dando alento e voz às vítimas esquecidas no plano doméstico.
A invisibilidade de demandas de grupos vulneráveis nos Estados democráticos é o primeiro obstáculo que a promoção de direitos humanos deve superar. Sem isso, sequer a demanda é tida como “existente” ou “problema a ser resolvido”. A inserção na agenda internacional de temas cobrados às autoridades nacionais (provocatio ad agendum) é, assim, uma importante consequência da via promocional internacional. Mesmo que gere somente uma resposta nacional repleta de “intenções” e sem medidas práticas, é estourada a “bolha de invisibilidade” e a indiferença dos grupos majoritários dominantes nos mais diversos órgãos estatais e na sociedade (mídia nacional, academia, sindicatos, etc.)
Por sua vez, a via judiciária consiste no uso de mecanismos internacionais quase-judiciais ou judiciais que exigem do Estado a adoção de medidas comissivas ou omissivas referentes à promoção de direitos humanos. A diferença inicial entre as vias é óbvia: na via promocional, há um juízo de persuasão, sendo o Estado convencido a adotar medidas; na via judiciária, exige-se do Estado que adote medidas. Em um segundo momento, as duas vias se distinguem pelo procedimento: a via promocional é flexível e de cunho mais próximo do político; a via judiciária utiliza a gramática jurídica dos direitos humanos, em um ambiente no qual é requerido o cumprimento de determinadas formalidades, assegurando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa ao estado infrator.
A via judiciária no sistema interamericano é complexa, envolvendo processos internacionais de direitos humanos que resultam em recomendações e também em deliberações vinculantes.(6) No tocante aos órgãos, há a atuação essencial da Comissão IDH e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com base na Convenção Americana de Direitos Humanos. O cenário tradicional da via judiciária no âmbito da Convenção Americana de Direitos Humanos é realizado pela vítima ou seus representantes por meio de uma petição à Comissão IDH, na qual (i) se demonstra - grosso modo - o esgotamento prévio dos recursos internos (ou sua dispensa) e (ii) se exige reparação à violação de direitos humanos retratada. Após regular trâmite, com ampla defesa e contraditório, e caso não haja uma solução amistosa entre a vítima e o Estado, a Comissão IDH delibera (o chamado Primeiro Informe) e, caso assim entenda (pode considerar a demanda inadmissível ou improcedente), exige a devida reparação. Na hipótese de o Estado infrator não realizar integralmente a reparação devida, e caso tenha o mesmo Estado reconhecido a jurisdição obrigatória contenciosa da Corte IDH, a Comissão adjudica o caso à Corte. Atualmente, 23 Estados das Américas ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos e 20 (entre eles, o Brasil) reconheceram a jurisdição da Corte IDH. O trâmite perante a Corte ainda envolverá papel maiúsculo das vítimas e seus representantes e, ao final, pode a Corte condenar o Estado réu a prestar obrigações de dar (fixando indenizações, por exemplo), fazer ou não fazer (determinando soltura de presos, alteração de norma legal ou até mesmo constitucional, entre outras reparações).(7)
À luz do interesse dos indivíduos na promoção de direitos, as duas vias são complementares e não podem ser consideradas excludentes. No caso da via promocional, consagra-se um espaço de diálogo com o Estado para abordar assuntos polêmicos ou questões controversas envolvendo direitos de grupos vulneráveis, muitas vezes ignorados nacionalmente. Na leitura de Contreras,(8) os órgãos do SIDH atuam como “facilitadores independentes” na busca por soluções adequadas a cada caso. Ademais, sua autoridade é - em geral - aceita e respeitada internamente nos Estados, de forma que suas posições agregam importante valor político, beneficiando os grupos sociais vulneráveis nacionais, que, no mínimo, rompem a “bolha da invisibilidade” vista acima.
No caso da via judiciária, sua utilização é valiosa tanto pela realização da reparação à vítima em um caso específico, quanto pela contribuição à modificação de condutas internas graças à formação de precedentes, que passam a guiar a interpretação e a aplicação das normas internacionais de direitos humanos pelo sistema de justiça nacional ou mesmo para provocar alterações legislativas ou administrativas, servindo de fundamento para deliberações estatais em casos futuros.
A utilização das vias pode ser sucessiva ou mesmo simultânea. Não há ordem preestabelecida no uso das duas vias, com a intuitiva utilização anterior da via promocional e, no seu fracasso, o apelo à via judiciária. A depender do caso concreto, a via judiciária é acionada em primeiro lugar, criando condições para que a matéria seja inserida na agenda da via promocional. A utilização simultânea também não é descartada: a via promocional pode continuar sendo explorada, ao mesmo tempo em que se processa determinado Estado infrator perante a Corte IDH.
Delimitadas as vias e as vantagens de seu uso, resta analisar o modo pelo qual é possível um jurisdicionado no Brasil utilizar os instrumentos internacionais como forma de implementação de direitos negados pelo Estado. Esse uso pode ser de duas formas: o uso individual e o uso estrutural ou coletivo. No uso individual, o acesso às instâncias internacionais é realizado na linha da advocacia tradicional, com foco exclusivo nos interesses e demandas do cliente individual, sem levar em consideração a tutela social que o caso possa envolver (client-oriented approach). Já o litígio estrutural ou coletivo tem como foco justamente a promoção da tutela social, buscando-se primordialmente uma atuação sobre toda a temática envolvida, o que não impede - obviamente - que vítimas individualizadas também possam receber atenção e obter a justa reparação. Para o litígio estrutural ou coletivo, a escolha do caso a ser litigado é essencial, uma vez que deve ser levado em consideração seu potencial de transformação social, por meio de ações impostas aos poderes públicos.(9)
Há, é claro, dificuldades específicas para cada tipo de uso do SIDH. No que tange ao uso individual, há dois tipos de dificuldade. Em primeiro lugar, o uso individual almeja, em última análise, a solução do caso da vítima com outorga de reparações devidas, o que exige uma deliberação vinculante da Corte IDH, sendo, grosso modo, tímida a via promocional. Há, assim, as tradicionais barreiras de acesso às instâncias internacionais, que são formadas pelo desconhecimento de seus meandros aliado aos custos de uma litigância internacional. Há a necessidade de se ponderar os gastos, trabalho para preparar o caso e acompanhá-lo, bem como os meios e recursos disponíveis para produzir provas e ainda o tempo que o caso pode levar em todo o procedimento perante a Comissão e, eventualmente, a Corte. Há, ainda, uma segunda dificuldade, que é a própria opção da Comissão IDH em privilegiar os casos de violação de direitos humanos tidos como estruturais, em virtude da própria carência de recursos materiais e humanos do SIDH em lidar com milhares de possíveis demandas. Como não há o acesso direto da vítima à Corte, a passagem (extremamente difícil para o uso individual tradicional) pelo filtro da Comissão é indispensável.(10)
No tocante ao litígio coletivo, há, inicialmente, a dificuldade de se identificar um caso concreto que possa ser representativo da temática de direitos humanos que se deseja promover. É importante, então, estudar as características específicas do caso em potencial, o que envolve esmiuçar o contexto social e político no qual o caso está inserido, que determinarão as reações do Estado, da mídia ou da sociedade. Também cabe analisar o impacto do caso diante da escolha da Comissão em privilegiar as demandas estruturais e que possam influenciar os demais Estados vinculados ao SIDH (além do Estado infrator). Se, por exemplo, o caso revela um contexto de sistemáticas violações de direitos e que pode ser um paradigma no delineamento da questão para outros Estados, há maior probabilidade de ser aceito tanto na via promocional quanto na via judiciária do SIDH.
Porém, essa apresentação do caso como um “caso representativo” de uma demanda estrutural exige preparo e fundamentação robusta, o que requer o apoio de entes especializados como são organizações da sociedade civil voltadas à atuação no SIDH. Esse apoio tem como premissa a compatibilização entre a violação de direitos humanos e o interesse dessas organizações não-governamentais, que também têm dificuldades para obter financiamento e, quando o conseguem, devem atuar na área desejada pelo financiador. Por isso, demandas de grupos vulneráveis desconectados de tais entes podem ter maior dificuldade para surgir na agenda do SIDH, o que impõe a atuação com maior peso de órgãos públicos independentes (e que tenham autonomia financeira) como a Defensoria Pública.
Após esse momento de viabilização da escolha e apresentação do caso estrutural ou coletivo, as dificuldades variam de acordo com a via escolhida. Focando na via judiciária no SIDH, o primeiro passo é preencher os requisitos de admissibilidade, em especial com a comprovação de esgotamento dos recursos internos ou inserção nas hipóteses de dispensa do esgotamento. Exige-se a clara exposição dos recursos internos interpostos, seus resultados, para que se conclua sobre o esgotamento ou sobre a satisfação das hipóteses que dispensam o peticionário de esgotá-los.
Também cabe avaliar o momento adequado (conveniência e necessidade) para requerer à Comissão IDH a adoção de medidas cautelares. Exige-se a comprovação da urgência e o risco iminente de dano irreparável ou de difícil reparação e, ainda, impõe-se a identificação das pessoas que necessitam das medidas cautelares.
No processo internacional perante a Corte IDH, é importante o acompanhamento de todo o seu trâmite, podendo as vítimas contar ainda com a assistência jurídica do defensor público interamericano.(11)
No tocante à efetividade, o uso adequado do SIDH completa-se somente após o cumprimento de suas recomendações ou determinações. No caso brasileiro, o SIDH comunica-se com o Estado por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, que repassa as exigências à Advocacia-Geral da União (órgãos do Poder Executivo federal). Como a grande maioria das decisões em curso (medidas cautelares da Comissão, medidas provisórias e sentenças da Corte) diz respeito à atuação de órgãos da esfera estadual (em especial do sistema de justiça estadual, da Polícia Civil, Ministério Público e Judiciários estaduais), muito ainda é necessário construir no plano institucional interno para que se criem modos ágeis de cumprimento das medidas.
A federalização desses casos por intermédio da propositura de Incidentes de Deslocamento de Competência seria uma alternativa para superar a “questão do federalismo” e a inércia do estado-membro da federação brasileira. Contudo, os casos existentes de IDC que se originaram de uso do SIDH foram propostos pela Procuradoria-Geral da República em iniciativa ex officio, sem que tenha existido nenhuma provocação por parte do Poder Executivo federal, que se mantém silente (em sucessivos governos democráticos) quanto a solicitar tal tipo de medida.
O Poder Executivo federal - justamente por presentar o Estado nas relações internacionais - deve ter papel mais proativo na implementação das deliberações do SIDH, até porque o Estado infrator é obrigado a apresentar relatórios periódicos sobre as medidas tomadas.
As vítimas podem participar ativamente dessa fase de “prestação de contas” da implementação, apontando aos órgãos do SIDH as informações reais da situação das vítimas e do comportamento do Estado, em especial quanto à cessação das violações ou à reparação integral dos danos.
A implementação das sentenças condenatórias contra o Brasil ainda enfrenta obstáculos no Judiciário. No caso do assassinato do agricultor Sétimo Garibaldi, apesar de expressa determinação a favor da reabertura das investigações (e punição dos responsáveis) pela Corte IDH, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná concedeu ordem de habeas corpus para trancar ação penal já em curso contra fazendeiro, sob o argumento de que o desarquivamento do inquérito policial (outrora arquivado) havia sido feito sem “provas novas”, violando o art. 18 do Código de Processo Penal (CPP).(12) No recurso especial do Ministério Público do Estado do Paraná, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou a possibilidade de continuidade da ação penal, sob o argumento de que avaliar uma “prova nova”, nos termos do art. 18 do CPP, levaria ao reexame do acervo probante, vedado pela Súmula 7 do próprio STJ. A natureza supralegal (ou mesmo constitucional) da Convenção Americana de Direitos Humanos (e das deliberações da Corte IDH) não serviu para justificar uma nova interpretação do Código de Processo Penal.(13) O assassinato do Sr. Sétimo Garibaldi, ocorrido no bojo de conflito agrário no Paraná em 1998, continua até hoje impune.
No Supremo Tribunal Federal, há ainda resistência na aceitação das determinações da Corte IDH a favor da investigação e persecução criminal dos agentes da ditadura militar por crimes contra a humanidade cometidos no período. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 153), o STF decidiu pela constitucionalidade da Lei da Anistia (lei 6.683/79), o que obviamente tem impedido o avanço da atuação do Ministério Público Federal em diversos casos criminais.(14) Por isso, será importante o julgamento da ADPF 320, na qual foi ofertada pela Procuradoria-Geral da República a “teoria do duplo controle” (citando o autor deste artigo),(15) pela qual se reconhece o papel do STF no controle da constitucionalidade de um ato ou decisão local, mas, ao mesmo tempo, é afirmado o papel da Corte IDH no controle de convencionalidade dessas mesmas medidas. Somente se aprovados por ambos os controles, um ato ou decisão interna sobre direitos humanos poderia ser mantido nacionalmente. Aplicada a teoria do duplo controle ao “caso da Lei da Anistia”, verifica-se que tal lei foi aceita no controle de constitucionalidade, mas foi afastada no crivo de convencionalidade (sendo considerada inconvencional), não podendo ser aplicada internamente.
No tocante ao uso dos demais precedentes do SIDH como alavanca para a transformação da interpretação nacional de direitos humanos, o Supremo Tribunal Federal tem aumentado a invocação da Convenção Americana na fundamentação de suas decisões, em especial no exercício de seu papel de intérprete de normas constitucionais. No entanto, ainda são poucas as menções à posição da Comissão ou à jurisprudência da Corte IDH.(16) Por isso, é essencial que, na trajetória do caso no âmbito doméstico e até que haja o esgotamento dos recursos internos, o litigante provoque os órgãos do Judiciário para se pronunciar sobre precedentes da Corte ou recomendações da Comissão.
Com isso, são criadas condições de um diálogo interpretativo coerente, possibilitando o acatamento, pelo órgão judicial interno, da interpretação internacionalista, o que concretiza, enfim, a universalidade dos direitos humanos.
À guisa de conclusão, o uso do SIDH é permeado de obstáculos, da escolha do caso (individual ou coletivo), da via (promocional ou judiciária) e ainda do modo de se cumprir as deliberações no Brasil. Tais dificuldades comprovam a resistência no atendimento a demandas dos grupos vulneráveis, mesmo em Estados democráticos. Se considerarmos que o SIDH só age na falha do Estado, seu uso é incontornável para que se consiga alteração da situação nacional de desrespeito de direitos. Adaptando o poema de Antonio Machado, não há caminho pronto e acabado na defesa de direitos humanos no plano internacional: se faz o caminho a andar.
André de Carvalho Ramos
Doutor e Livre-Docente em Direito Internacional pela USP.
Professor de Direito Internacional da USP.
Procurador Regional da República.
Ex-Secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva da Procuradoria-Geral da República (2017-2019).
ORCID: 0000-0003-3157-8262
carvalhoramos@usp.br
(1) Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 54
(2) Sobre as fontes convencionais e extraconvencionais do direito internacional dos direitos humanos, ver Ramos, op. cit., p. 102 e seguintes.
(3) Ramos, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019p. 31-32.
(4) Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos... p. 354.
(5) Idem, ibidem, p. 182.
(6) Ver a classificação dos processos internacionais de direitos humanos em Ramos, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos...p.34 e seguintes
(7) Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2019. p. 428 e seguintes.
(8) Contreras, J. C. G. (coord.). Litigio estratégico en derechos humanos: modelo para armar. Comisión Mexicana de Defesa y Promoción de los Derechos Humanos A.C. CMDPDH: México, 2011. p. 66.
(9) Cardoso, E. L. C. Ciclo de vida do litígio estratégico no Sistema Interamericano de Direitos Humanos: dificuldades e oportunidades para atores não estatais. Revista Electrónica del Instituto de Investigaciones “Ambiosio L. Gioja”, Buenos Aires, ano v, número especial,p. 366, 2011.
(10) Sobre os filtros ‘invisíveis” da Comissão, ver Koch, Camila de Oliveira. Critérios de judicialização de casos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Belo Horizonte: Arraes, 2017.
(11) Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos...p. 430.
(12) Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
(13) Cite-se o voto vencido (isolado) do Ministro Rogerio Schietti Cruz, que valorou a importância de se dar interpretação diferente ao art. 18 do CPP, em face da sentença da Corte IDH. Em síntese, o art. 18 ambiciona evitar ações arbitrárias e até mesmo vingativas de autoridades policiais e ministeriais na reabertura de inquérito policial arquivado. Não pode ser interpretado para impedir a realização de justiça exigida por um tribunal internacional imparcial como a Corte IDH. Superior Tribunal de Justiça, Resp 1.351.177, Rel. para o Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgamento de 15-03-2016, DJe 18-04-2016.
(14) Ver comentários sobre todas as sentenças da Corte IDH contra o Brasil em Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos...
(15) Ramos, André de Carvalho. Crimes da Ditadura Militar: a ADPF n. 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: Gomes, Luiz Flávio; Mazzuoli, Valério de Oliveira (org.). Crimes da ditadura militar: sua análise à luz da jurisprudência interamericana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 174-225.
(16) Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos... p. 346-348.