O movimento skinhead faz parte de uma subcultura surgida na década de 1960 entre jovens negros e brancos integrantes da classe operária britânica. Inicialmente, eram unidos pelo tipo de música que ouviam e pelo modo de se vestir. Esta cultura ficou famosa por promover confrontos em estádios de futebol – que, na Inglaterra, é chamada de hooliganismo – e pela animosidade de alguns “skins” em relação a imigrantes paquistaneses e asiáticos. Mesmo havendo essa antipatia por estas duas etnias, nesta época os integrantes do movimento eram contrários ao neonazismo e não admitiam o preconceito racial, posto que muitos deles eram afrodescendentes.
Na final da década de 1970, surgiu o que se considera a segunda geração da cultura skinhead, com a inserção de questões de cunho político e racial. Naturalmente, a mudança provocou rachas e subdivisões. Essa fragmentação resultou em diversos grupos que não reconhecem uns aos outros como representantes da cultura skinhead, sendo comuns enfrentamentos físicos entres eles.
Entre os fatores que os diferenciam então questões político-ideológicas, raciais e até regionais. Esses tipos de intolerância têm motivado episódios de violência, relativamente comuns na mídia nos últimos tempos. No início do mês passado, no dia 03 de setembro, um confronto entre diversas gangues em uma casa noturna no bairro de Pinheiros, São Paulo, somou, além de dezenas de feridos, um morto: um jovem de 25 anos, afeto a um grupo punk.
Meses antes, foram registrados pelo menos outros quatro casos de agressão envolvendo skinheads na cidade. Em julho, quatro moradores de rua foram atacados por cinco jovens, com idades entre 18 e 21 anos, no bairro do Paraíso. Um dos agressores já havia sido condenado por um atentado à bomba na Parada Gay de 2009. Todos acabaram presos por policiais que passavam pelo local e perceberam a movimentação.
Outro caso característico do crime de ódio é o homicídio de dois rapazes em um apartamento nos Jardins. O autor do crime, de 21 anos, escreveu em seu microblog do Twitter que “estava infiltrado no mundo gay”, antes de cometer o crime. As vítimas foram mortas a facadas. O acusado apresentava tatuagens de símbolos ligados a grupos skinheads e por isso a polícia investiga se ele está envolvido com facções radicais.
O caso da morte do jovem punk em São Paulo ganhou destaque na mídia, voltando os olhos da opinião pública para esse tipo de violência. Na ocasião, o show de uma banda inglesa atraiu para o local pelo menos 20 desses grupos, assim, o confronto já era dado como certo.
Diante do crescente, e cada vez mais freqüente, número de casos envolvendo grupos skinheads, a polícia paulista está diante de um novo tipo de violência, de espectro ideológico, e tem tido dificuldade em lidar com essas situações. A polícia esbarra na diferenciação entre as diversas facções: muitas delas tem como alvos preferenciais homossexuais, nordestinos e negros, por exemplo; mas existem algumas que pregam ideais neonazistas, outras que rejeitam o racismo e o nazismo…
Geralmente, os integrantes desses círculos possuem entre 15 e 28 anos e provêm de diversas origens sociais. As brigas mais intensas se dão entre gangues que negam o preconceito racial e a homofobia, que se autointitulam anarquistas e comunistas, e os agrupamentos mais conservadores, que ostentam ideologias nazistas e intolerância a gays, negros e imigrantes de diversas regiões. As agressões coletivas – e nunca individuais – demonstram uma característica de grupos fascistas, que é a de não ter uma personalidade própria.
A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo (Decradi) identificou e mapeou 25 grupos que agem de forma violenta na cidade. De acordo com dados da delegacia, o lugar em que os conflitos são mais recorrentes é a Avenida Augusta, em especial na região central. No entanto, cabe ressaltar que é comum que os integrantes mudem de um grupo para outro ou troquem totalmente de lado.
Obviamente esse gênero de violência não se restringe à capital paulista: no dia 07 de setembro, neonazistas agrediram um casal gay na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte (MG). Outros episódios como esse foram registrados em Recife e Rio Grande do Sul. Nem a Miss Universo ficou isenta de manifestações de ódio e intolerância. A angolana Leila Lopes, eleita no dia 12 de setembro em São Paulo, foi alvo de injúrias raciais na internet, por conta da revolta de alguns indivíduos com a vitória de uma negra no concurso.
Na opinião da antropóloga Adriana Dias, do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da Universidade de São Paulo (LEER-USP), as penas imputadas às gangues são muito brandas e a impunidade dessas pessoas colabora para um ambiente de intolerância cada vez maior.
O sociólogo Sergio Adorno, do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, por sua vez, sustenta que o surgimento desses grupos está inserido em um cenário de insegurança social e desestruturação do mercado de trabalho, como o que acontece na Europa.
Entender o que leva essas pessoas a cruzar os limites da civilidade e agredir os demais pelo simples fato de serem diferentes – seja na quantidade de melanina que têm na pele ou por outras características étnicas, seja pela orientação sexual, seja pelo credo – não é uma tarefa fácil. Há uma série de elementos que desencadeiam esse tipo de comportamento, entre eles a educação recebida no seio familiar: o discurso de alguns pais legitima as agressões, na medida em que o preconceito, certas vezes, é repassado de uma geração à outra.
Como em tantos outros tipos de violência, percebe-se que ela – a violência – funciona apenas como porta-voz do que está enraizado na cultura e nos costumes da coletividade, que é a intolerância, a discriminação, o desrespeito. Assim, mais uma vez, conclui-se que agravar penas não é a maneira mais eficaz de se resolver o problema.
Fontes: O Estado de S. Paulo, Portal R7, NEV (Núcleo de Estudos da Violência), Portal G1.
(Érica Akie Hashimoto)