Diante do chocante assassinato coletivo ocorrido na noite da última quinta-feira, 13 de agosto, nas cidades de Barueri e Osasco (SP), e face à constatação
de que a chacina foi promovida por armas de uso das forças públicas de segurança, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais vem a público deplorar atos
de violência que podem ter sido praticados ou fomentados por agentes estatais.
Jamais poderemos nos considerar viventes em uma democracia plena enquanto penas de morte, inadmitidas pela Constituição da República até mesmo para
práticas de crimes graves com condenações transitadas em julgado, são executadas sumariamente nas ruas por agentes do Estado, invariavelmente contra as
populações mais vulneráveis e contando com a indecente condescendência de certas autoridades.
Aos grupos vitimados por tais assassínios não é dado sequer acreditar na Justiça e nas agências de persecução penal, das quais, no mais das vezes, somente
conhecem a face da opressão brutal ou da legitimação da violência por eles sofrida, e não a da proteção juridicamente devida.
O IBCCRIM ainda manifesta a sua preocupação com a revelação, na data de hoje, de que a letalidade policial atual em São Paulo é ainda maior do que em todos
os dez anos anteriores, indicando uma tendência de que o cenário que já era absolutamente inaceitável esteja a tornar-se ainda pior.
O que se está a assistir é a negação das regras e princípios mais basilares do Estado de Direito e um retorno à brutalidade da lei do mais forte, agravada
pela circunstância de os agressores serem armados pelo próprio Estado – que tem por missão constitucional propiciar condições para que as pessoas convivam
socialmente de maneira segura e digna.
Rogar agora por investigação e responsabilização dos responsáveis pelos assassinatos, embora seja o óbvio, não é o suficiente. Isso porque essa tal
responsabilização, que dificilmente ocorre, serve mais como legitimação de um aparato militarizado de extermínio de determinada camada da população
(aqueles eleitos como “inimigos”), do que como efetivo remédio para as matanças.
É preciso que o debate sobre o nosso modelo de segurança pública seja urgentemente estabelecido. Num país em que 77% dos policiais defendem a
desmilitarização da PM, e no qual a herança da ditadura militar mais recente fez constar diversas recomendações relevantíssimas para o sistema de justiça
criminal no Relatório Nacional da Comissão da Verdade, chama a atenção de forma absolutamente negativa que o Governador de São Paulo tenha proposto, em
reação à execrável chacina, o pagamento de recompensa de R$ 50.000,00 para quem der informações que esclareçam a autoria do crime.
Não é com a utilização de medidas típicas de faroeste que aprimoraremos o nosso já tão combalido sistema de justiça; enquanto tomarmos medidas
exclusivamente repressivas e não tivermos atitudes que visem a mudar a cultura de talião que está por trás de grande parte dos agentes – judiciais ou não –
envolvidos com a segurança pública, infelizmente muito sangue ainda irá escorrer.
São Paulo, 17 de agosto de 2015.
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais