O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e outras oito organizações assinaram uma nota contrária ao uso de videoconferências em audiências no sistema socioeducativo. A proposta de regulamentação está na pauta de votação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pode ser julgada hoje (7).
Para as entidades signatárias, a medida em discussão no CNJ desrespeita a Constituição, uma vez que a proposta viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e retira o ato processual mais importante para o adolescente, que é a audiência de apresentação. É também nessa audiência que defensores(as) e adolescentes conversam de forma reservada e sem interferência externa, possibilitando “o vínculo de confiança necessário para o desenvolvimento do devido processo legal”, diz a nota. As organizações apontam, ainda, a preocupação com a privacidade e proteção de dados veiculados na audiência e a desigualdade no acesso à internet entre as famílias dos adolescentes.
De acordo com a coordenadora-chefe do Departamento de Infância e Juventude do IBCCRIM, Mariana Chies, “pandemia não significa estado de exceção. As garantias processuais dessas crianças e adolescentes continuam em vigor”, diz. “As audiências devem ser feitas presencialmente, com todos os cuidados necessários e realizadas nos casos em que realmente houver necessidade, considerando que muitos adolescentes que são apreendidos, sequer deveriam ser”, afirma a pesquisadora.
Leia a nota completa:
#VideoconferênciaNão
O Conselho Nacional de Justiça votará hoje, 7, o Ato Normativo nº 0006101-82.2020.2.00.0000, que regulamenta e estabelece critérios para a realização de audiências, e outros atos processuais, por videoconferência em processos de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas, durante o período de pandemia de COVID-19. São notórias as fragilidades que o uso de videoconferências apresenta, uma vez que podem promover sistemáticas violações às garantias processuais, previstas no artigo 111 do ECA, e, portanto, à Doutrina da Proteção Integral, prevista constitucionalmente.
As organizações abaixo-assinadas posicionam-se contra essa medida, pelas razões expostas a seguir:
1. Desrespeito a Constituição: a realização de audiências por meio de videoconferência no processo socioeducativo pode acarretar em violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ressaltando que as audiências são atos processuais que merecem o máximo de atenção. A audiência de apresentação, prevista no artigo 184 do ECA, é o ato processual mais importante para o/a adolescente, vez que é a maior expressão do exercício dos direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso V, da Constituição Federal) no processo de apuração de ato infracional. É, também, a oportunidade em que adolescentes e defensores/as conversam reservadamente, sem interferência externa, estabelecendo ali o vínculo de confiança necessário para o desenvolvimento do devido processo legal, imprescindível para um julgamento justo. Além disso, é o momento de importância fundamental para a denúncia de alguma ilegalidade contra o/a adolescente cometida por agentes do Estado, sobretudo casos de torturas ou agressões, funcionando como instrumento essencial para manutenção da vida e integridade pessoal. A previsão de audiências por videoconferência, além de ignorar a importância da audiência de apresentação, não garante o absoluto sigilo da comunicação entre adolescentes e defensores/as e deixa aqueles/as ainda mais vulneráveis a violências institucionais.
2. Privacidade e proteção de dados: os estados não têm demonstrado preocupação com a segurança das informações veiculadas em audiência, valendo-se de softwares com segurança duvidosa para a realização de tais atos, o que coloca em risco a natureza sigilosa do processo judicial, a privacidade e os dados pessoais dos envolvidos, já que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes, a quem se atribua a prática de atos infracionais. Importante ressaltar ainda que, para a Lei Geral de Proteção de Dados, o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado sempre em seu melhor interesse.
3. Participação da família: de acordo com o Levantamento Anual do Sinase de 2017, 81% das famílias de adolescentes atendidos pelo Sistema Socioeducativo dispunham de renda salarial entre “sem renda” e “menos de um salário mínimo”. A desigualdade brasileira atinge significativamente as famílias destes adolescentes e a realização das audiências por videoconferência aprofundará esta desigualdade, vez que não cria condições para a participação familiar, por falta de acesso à internet ou de aparelhos compatíveis com a tecnologia necessária.
4. Prioridade absoluta: Embora seja um mecanismo que aparentemente resolva a questão da não disseminação do vírus, por outro lado, os julgamentos virtuais, não asseguram o respeito às peculiaridades da infância e adolescência – apontadas, também, no Parecer Técnico do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria do Estado de São Paulo.
#VideoconferênciaNão, prioridade absoluta sim!
Assinam a nota:
Instituto Alana
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Comissão da Infância e Juventude da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
Comissão de Direitos Infantojuvenis da OABSP
ANDI – Comunicação e Direitos
Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP/PE)
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
Nova Frente Negra Brasileira
Comissão da Infância e Juventude da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
Comissão de Direitos Infantojuvenis da OABSP
ANDI – Comunicação e Direitos
Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP/PE)
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
Nova Frente Negra Brasileira
Comissão de Direito Socioeducativo da OAB/RJ
Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD)
Defensoria Pública do Estado di Ceará
Defensoria Pública do Estado do Pará
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Associação Beneficente Amar
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Açao Social (CENDHEC/PE)
Coletivo Amazônico LesBiTrans
MNU -Movimento Negro Unificado
Defensoria Pública do Estado do Pará
Cedeca-emaus
Pessoa autônoma
Frente Estadual pelo desencarceramento do Amazonas
ADPETO – Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Tocantins
Movimento Social e Cultural Cores do Amanhã
Organização de Direitos Humanos-Projeto Legal
Instituto Pro Bono
Liberta Elas
Assessoria Popular Maria Felipa
Ibura Mais Cultura
Cooperativa Habitacional Central do Brasil – COOHABRAS
Pep 2 presidio piraquara
Djalma
Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente ANCED/Seção DCI Brasil
Conselho Tutelar Pedreira
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP/PE)
CEDECA Interlagos
ASUSSAM-MG (Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais)
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes. PEPGSS PUCSP
Comissão de Advocacia Popular da OAB (PE)
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS
Instituto Mundo Aflora
Espaço Cultural Cazuá
Advocacia Guimarães
Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco AMAR NACIONAL
Instituto de Estudos da Religião – ISER
ONG Fonte da Vida
Pastoral Carcerária Nacional
Grupo de Trabalho Desencarcera Pernambuco
CEDECA Sapopemba
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
ATAIDE
Andi comunicação e direitos
Rede de comunidade e Movimento contra violência
Fórum das Juventudes da Grande BH
Conectas Direitos Humanos
Associação Casa do Estudante de Minas Gerais – MOFUCE
Lar Irma Amalia
CRP_ SP