O Senado Federal aprovou, por 52 votos a 9, a Proposta de Emenda Constitucional nº 45, de 2023. De autoria do senador Rodrigo Pacheco, Presidente da Casa, o texto propõe a criminalização do porte e da posse de qualquer quantidade de drogas.
O IBCCRIM considera a PEC inconstitucional e manifestou sua posição no Senado Federal, no dia 15 de abril. No entanto, o debate sobre a criminalização do usuário está permeado de desinformação, sobretudo no âmbito jurídico.
Buscando qualificar a discussão, o IBCCRIM tira dúvidas sobre a PEC 45 e a criminalização do uso de drogas no Brasil.
“Mas o porte e a posse de drogas já não são crime no Brasil?”
Sim. O artigo 28 da Lei de Drogas considera crime adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal. Se aprovada, a criminalização do usuário, hoje prevista na Lei de Drogas, passaria a integrar a Constituição Federal, portanto, em hierarquia normativa superior a uma lei ordinária.
A PEC pretende, portanto, obrigar que o Estado sempre criminalize a posse ou o porte de drogas para consumo pessoal: se aprovada, ela obrigará o legislador ordinário a sempre criminalizar essa conduta – mesmo que evidências científicas e experiências internacionais mostrem que a criminalização do usuário, além de inconstitucional, não funciona para reduzir o consumo de drogas.
Ao contrário, além de ser inócua para enfrentar o mercado ilegal de drogas, a criminalização do porte e da posse afeta sobretudo jovens negros e pobres. A Lei de Drogas brasileira não determina critérios objetivos para diferenciar uso de tráfico. O § 2º do artigo 28 da Lei de Drogas se limita a dizer que “o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
O sistema de justiça criminal brasileiro reflete o racismo que estrutura o país. Nesse sentido, é gritante a seletividade em relação a quem é investigado, preso e processado por crimes relacionados a drogas. Embora o uso de drogas seja comum em todas as camadas da sociedade, a aplicação da lei tende a focalizar mais em áreas de baixa renda e em comunidades majoritariamente negras.
A PEC, portanto, apenas reforça – e coloca sob o manto da Constituição Federal – uma realidade racista e desigual.
Nesses termos, ainda que uma Emenda Constitucional tenha hierarquia normativa superior à Lei Ordinária, a Emenda também pode ser declarada inconstitucional em face das cláusulas pétreas da redação original da Constituição. Assim, o reconhecimento, pelo STF, de que a criminalização do porte de maconha em pequenas quantidades viola a dignidade humana e vai contra o princípio da ofensividade e outros fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito, levará à conclusão lógica de que a Emenda Constitucional em questão, ainda que aprovada, seria igualmente considerada inconstitucional pela violação de cláusulas pétreas.
Qual a relação entre a PEC 45 e o que está em debate no STF?
Para explicar o que está em jogo com a tramitação da chamada PEC das Drogas, é fundamental entender o contexto político no qual a PEC 45/2023 foi apresentada ao Congresso Nacional, em outubro de 2023. Pouco tempo antes, em agosto daquele ano, o STF havia retomado o julgamento de uma ação, em discussão desde 2015, que questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Esse artigo já criminaliza o uso de drogas, conforme a redação abaixo:
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Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
A PEC foi apresentada como uma resposta do Legislativo ao STF, que, até agora, tem cinco ministros a favor da tese de inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para uso pessoal e três contrários. A tentativa do Congresso Nacional, ao votar essa PEC, é evitar que, em algum momento o artigo 28 da Lei de Drogas seja revogado ou mesmo declarado inconstitucional, ainda que apenas em relação à maconha e em pequenas quantidades, como é a orientação da maioria dos Ministros do STF que se manifestaram até agora.
Na prática, a aprovação da PEC é mais uma forma de enfrentamento em um contexto de tensão institucional entre o Legislativo e o Judiciário.
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O IBCCRIM já se manifestou de forma contrária à criminalização da porte e do posse de drogas.
Veja abaixo as manifestações já realizadas sobre esse tema.